quinta-feira, 31 de março de 2016

CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II POR OCASIÃO DOS 200 ANOS DA MORTE DO PAPA PIO VI

A D. DIDIER-LÉON MARCHANDBispo de Valença
Há dois séculos, no dia 29 de Agosto de 1799, morria em Valença o Papa Pio VI. Desejoso de prestar homenagem à grande figura deste Papa e, ao mesmo tempo, conservar a lembrança deste período doloroso, tomaste a iniciativa de comemorar este evento, a fim de que as gerações presentes pudessem dele haurir ensinamentos. Saúdo-te cordialmente, assim como o meu Enviado Especial à tua Diocese, o Senhor Cardeal Roger Etchegaray. Associo-me, com o pensamento e a oração, a todos os que estão reunidos para evocar a memória do meu predecessor, que amou e serviu a Igreja de Cristo.
Os últimos meses de Pio VI foram o seu caminho de cruz. Com mais de oitenta anos, gravemente atingido pela doença, ele foi arrancado da sede de Pedro. Em Florença pôde gozar durante algum tempo duma relativa liberdade, que lhe permitiu exercer ainda a sua responsabilidade de Pastor universal. Depois, foi obrigado a atravessar os Alpes pelos caminhos nevados. Chegou a Brainçon, em seguida a Valença, onde a morte pôs termo à sua viagem terrestre, fazendo com que alguns acreditassem que com ela acabassem a Igreja e o papado. Convém recordar aqui a palavra de Cristo a Pedro, que corresponde àquilo que viveu o Papa Pio VI nesse ano de 1799: «Quando fores velho, estenderás as tuas mãos e outro te cingirá e te levará para onde tu não queres» (Jo 21, 18).
Pio VI aceitou a provação com serenidade e na oração, e no momento da sua morte perdoou aos seus inimigos, suscitando-lhes assim admiração. Entretanto, aos seus sofrimentos físicos acrescentou-se um tormento moral a respeito da situação eclesial. Apesar dos transtornos que a França então atravessava, ele recebeu numerosos e comovedores sinais de respeito, de compaixão e de comunhão na fé por parte das pessoas simples, ao longo de todo o caminho, em Briançon, Grenoble e Valença. Por mais humilhado que tenha sido o pai comum dos fiéis, como lhe chamava o poeta Paul Claudel, era reconhecido e venerado pelos filhos e filhas da Igreja. Este acolhimento simples e afectuoso naquelas circunstâncias dramáticas, é uma consolação para todos.
Esta página da história da Igreja e da França é uma fonte de ensinamento. Ao longo da sua história bimilenária, a Igreja passou sem cessar por múltiplas provações. Ela é chamada a conservar a coragem, pois a sua missão lhe vem do Senhor, que jamais a abandona: como foi prometido, Cristo está connosco até ao fim dos tempos (cf. Mt 28, 20). Nos momentos difíceis, é oportuno antes de tudo acolher a graça de Deus, que faz aumentar a fé, sustenta a esperança e mantém firmemente a comunhão entre todos os discípulos de Cristo. É o Espírito Santo que age, e é Deus que dá o crescimento à obra empreendida por todos os missionários do Evangelho, bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos (cf. 1 Cor 3, 6).
O pontificado de Pio VI evoca os méritos do papado que, ao longo dos séculos, se empenhou em defender a liberdade da Igreja perante as exigências dos poderes civis. É por isso que numerosos Papas lutaram e sofreram até ao dom da própria vida. Com efeito, a liberdade religiosa é um direito para toda a pessoa humana, em razão da sua própria dignidade, como afirmou o Concílio Vaticano II (cf. Declaração Dignitatis humanae, 2). Em todas as nações, a liberdade espiritual e a liberdade religiosa são de modo particular importantes. Sem elas, as outras liberdades pessoais e colectivas não são possíveis. A liberdade religiosa é uma condição indispensável à edificação duma nação, assim como à colaboração e à amizade entre os povos. Neste espírito, ao longo de toda a história, o cristianismo teve sempre a solicitude de unir e agrupar os homens e os povos, ajudando-os incansavelmente a construir uma sociedade mais justa e mais fraterna, a fazer com que se instaure a paz, essencial para o crescimento integral das pessoas e das comunidades humanas.
Por outro lado, é preciso mencionar o lugar dado aos direitos do homem, que recordam que o ser humano é o centro da vida social. Esta exigência legítima não deve fazer esquecer que os direitos do homem se fundam sobre valores morais e espirituais, e que ninguém se pode considerar como o senhor dos seus irmãos. O Criador é o único senhor do tempo e da história. Graças à lei natural, Ele pôs no coração dos homens o desejo do bem. O lema da França, Liberdade, igualdade e fraternidade, associa oportunamente aquilo que depende da liberdade individual à necessária atenção para com todos os irmãos, sobretudo os mais pequeninos, os mais débeis, desde a concepção até à morte natural.
A comunidade católica na França possui uma rica história. Os fiéis católicos, ao exprimirem a sua adesão ao Papa, manifestam abertamente a sua fé em Cristo e a sua pertença à Igreja; no seu caminho espiritual, eles haurem dela a força para a sua missão e para o serviço da sua pátria e dos seus compatriotas. Estão empenhados no seu país e prosseguem sem cessar o diálogo com todos os componentes da nação, sobretudo com as comunidades protestantes, numerosas na tua região, que saúdo de todo o coração. Exorto então os católicos a tomarem parte activa na vida do seu país, a nível local, regional e nacional. Como já dizia a Carta a Diogneto, «os cristãos são no mundo o que a alma é no corpo. A alma encontra-se em todos os membros do corpo, os cristãos estão em todas as cidades do mundo... Tão nobre é o posto que Deus lhes assinalou, que não lhes é possível desertar». Em colaboração com todos os seus irmãos, eles têm um serviço a prestar ao próprio país e é em conjunto que todos os franceses devem prosseguir nos seus empenhamentos ao serviço do homem, da sociedade e da fraternidade entre todas as pessoas. A rejeição do reconhecimento da dimensão espiritual e religiosa das pessoas e das comunidades humanas constituiria um empobrecimento dos indivíduos e do dinamismo social.
No limiar do terceiro milénio, é importante que os discípulos de Cristo reconheçam os seus laços de comunhão e trabalhem para encontrar a sua unidade ao redor do Sucessor de Pedro. Esses laços de afecto, livremente expressos, testemunham a necessidade, tanto para a construção da Europa como para as relações internacionais, do contributo indispensável da liberdade religiosa e do respeito das consciências, cuja defesa o Papa Pio VI, na linguagem e mentalidade do seu tempo, tinha procurado assegurar. Com efeito, qualquer empreendimento político, social ou económico que não tenha em conta as pessoas e os povos, faz com que o conjunto das nações, a paz entre os países, o reconhecimento dos povos e a indispensável liberdade das pessoas corram graves riscos.
Ao confiar-te à intercessão da Virgem Maria, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja, e dos santos Bispos de Dic, de Saint-Paul-Trois-Châteaux e de Valença, concedo-te de todo o coração a Bênção Apostólica, assim como a todos os teus diocesanos e àqueles que participarem nas diferentes manifestações que marcarão a comemoração da morte do Papa Pio VI na tua cidade.
Castel Gandolfo, 25 de Agosto de 1999.

Leis sobre difamação de religiões deviam ser rejeitadas, recomendam especialistas


Romênia foi o ponto de encontro da 10a. reunião de liberdade religiosa
September 15, 2008 Bucharest, Romania
Rajmund Dabrowski/ANN


A partir da esquerda, John Graz, secretário-geral da Associação Internacional de Liberdade Religiosa, Viorel Dima, presidente da Associação de Consciência e Liberdade, e Bogdan Olteanu, presidente da Câmara de Deputados da Romênia. A 10a. conferência do Grupo de Especialistas em Liberdade Religiosa reuniu-se em Bucareste, Romênia, de 8 a 10 de setembro. [fotos: Rajmund Dabrowski]

A partir da esquerda, Lee Boothby, vice-presidente da Academia Internacional para Liberdade Religiosa e Crença, David Little, professor da Escola de Divindade Harvard, e Cole Durham, professor da Universidade Brigham Young, durante a conferência de Bucareste.
Especialistas em liberdade religiosa estão expressando preocupação sobre propostas para regulamentar a liberdade de expressão e abolir leis de difamação religiosa. Reunindo-se em Bucareste, Romênia, de 8 a 10 de setembro, a 10a. conferência do Grupo de Especialistas em Liberdade -- consistindo de acadêmicos, pessoas atuantes na área e outros especialistas em direitos humanos e religião -- discutiram a questão crescente de linguagem de intolerância e "difamação de religiões". Dando abertura à conferência, John Graz, Secretário-Geral da Associação Internacional de Liberdade Religiosa (sigla em inglês IRLA) declarou que "questões que envolvem linguagem intolerante e difamação de religiões têm estado na linha de frente daqueles que se preocupam com direitos humanos ao longo dos últimos anos e a IRLA está buscando uma avaliação das propostas para que se produzam novas medidas regulatórias internacionais". Na medida em que pessoas e grupos religiosos por todo o mundo se acham sujeitos a acusações maliciosas e insultuosas, a linguagem de intolerância, tem sido às vezes precedida por ataques violentos e intimidação. Graz, que é também diretor do Depto. de Relações Públicas e Liberdade Religiosa da Igreja Adventista do Sétimo Dia a nível mundial, perguntou: "Qual será o custo real da liberdade de expressão se tais propostas vierem a ser aprovadas?" Durante a sessão final, o Grupo de Especialistas concordou, segundo Graz, em que "nenhuma legislação específica deveria ser votada a não ser a linguagem de intolerância limitada de acordo com leis de direitos humanos já existentes". Vários especialistas falaram de situações existentes em que certas formas de linguagem constituem incitamento à violência e discriminação. Tais tipos de linguagem podem ser limitadas segundo leis internacionais de direitos humanos, mas os especialistas preocuparam-se com o fato de que certas propostas relativas à questão não resolverão o problema subjacente de crimes motivados por ódio religioso. Em vez disso, aumentará a intolerância religiosa e infringirá na igualdade fundamental do direito humano de liberdade de expressão e religião, o que inclui a crítica a idéias religiosas, disseram eles. Uma preocupação que os especialistas discutiram foi a falta de uma definição universalmente aceitável quanto à difamação de religiões. Os especialistas também expressaram preocupação de que qualquer definição será vaga e susceptível a variadas interpretações, especialmente as que têm por base as sensibilidades dos ouvintes. Sem claras diretrizes quanto ao que constitui difamação, os padrões propostos serão arbitrários e postos em vigor desigualmente, prejudicando aqueles que são designados em protegê-los, disseram. Referindo-se à linguagem intolerante e difamação de religiões como uma "questão de grande preocupação", a Profa. Rosa Maria Martinez de Codes, da Universidade Complutense, de Madrid, Espanha, declarou que na Europa "precisamos edificar pontes entre todas as diferentes confissões religiosas, levando em conta que temos cerca de 12 a 13 milhões de adeptos do Islã. A linguagem intolerante é algo que devia ser eliminada de nosso vocabulário, educação, atitudes, e isso significa melhorar as políticas públicas que provêem as diretrizes para escolas -- públicas e privadas -- a fim de reforçar um melhor entendimento e respeito pelos semelhantes", disse Martinez. O Prof. David Little da Escola de Divindade Harvard advertiu contra permanecer em silêncio com respeito à proposta feita às Nações Unidas pela Organização das Assembléias Islâmicas, e também alguns relatórios da ONU que visam a restringir linguagem de difamação de religiões. "Se não tomarmos posição em oposição a algumas dessas propostas, as coisas serão piores", disse Little. "Seriam piores porque as organizações internacionais, especificamente as Nações Unidas, poderiam inclinar-se a restringir a linguagem religiosa e assim derrotar alguns dos propósitos que nós, neste grupo, cremos serem desfrutados por se permitir mais linguagem aberta de crítica de uma religião com respeito a outra, um grupo religioso dentro de outros grupos religiosos, etc., ... Se não permitirmos esse tipo de linguagem, é mais e mais provável que os benefícios da liberdade de expressão serão negados e estaremos numa condição pior". O Prof. Cole Durham, da Faculdade de Direito da Univ. Brigham Young, acredita que "há real urgência no que tange a linguagem intolerante e difamação de religiões. Pois para cada ponte sendo edificada entre o Ocidente, entre cristianismo e islamismo, há cinco sendo queimadas, e precisamos trabalhar com incrível velocidade porque é muito mais difícil edificar relações positivas, muitas relações positivas pode ser destruídas num instante por um simples evento, como os desenhos humorísticos dinamarqueses. "Eventos destrutivos são muito mais fáceis de ocorrer e causam muito maior dano e a obra de restauração é extraordinariamente difícil", comentou Durham. Durham declarou que iniciar leis que proíbam a liberdade de expressão pode visar a proteger a minoria, mas de fato pode ser direcionada contra esta. Descrevendo isso como "o paradoxo da linguagem intolerante", Durham explicou que "muitas vezes pensamos na lei segundo a qual se algo é mau e aprovamos uma lei contra isso, tal fato automaticamente desaparecerá como se a lei tivesse uma varinha de condão. De fato, temos de pensar muito cuidadosamente porque com muita freqüência a aprovação dessas leis não ajudará realmente grupos minoritários, pois temerão invocá-las; temem que se o fizerem isso apenas servirá como um pára-raio e receberão ainda maiores ataques, receberão mais telefonemas ameaçadores, ou todas as formas de pressão que a oposição social puder criar". "Obtém-se o oposto ao que se intencionava", aduziu Durham. Seguindo-se à reunião os participantes da conferência da IRLA uniram-se a representantes da Câmara de Deputados e Senado da Romênia, incluindo o presidente do Senado, Nicolae Vacaroiu, e o presidente da Câmara de Deputados Bogdan Olteanu, líderes religiosos e governamentais, acadêmicos num simpósio de dois dias, de 10 a 11 de setembro, sobre "Comunicação Interconfessional na União Européia".